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DOR E LUTO

"NÓS NÃO SOMOS VÍTIMAS, VÍTIMAS SÃO OS NOSSOS FILHOS. NÓS SOMOS SOBREVIVENTES"

Em 2002, na madrugada do dia 22 de novembro, Márcia Jacintho despertou com um aviso do marido: seu filho, Hanry, não estava em casa. Pulou da cama na mesma hora, preocupada. O jovem, um menino negro, na época com 16 anos, não costumava sair sem avisar. 

 

Ela ainda não sabia, mas ele já havia sido executado. 

 

Quando amanheceu, Márcia saiu pelo Morro do Gambá, zona Norte do Rio de Janeiro (RJ), batendo de porta em porta atrás do filho, mas ninguém parecia saber dele. Enfim, um amigo deu a notícia: duas pessoas baleadas haviam dado entrada no Hospital Municipal Salgado Filho no dia anterior. Uma delas era da comunidade em que Márcia morava e usava uma bermuda preta, peça que Hanry também estaria usando. 

No hospital, ouviu que o jovem baleado era um bandido, que morrera em uma troca de tiros com a polícia, e já tinha sido levado para o IML. Ficou até um pouco aliviada – com uma descrição daquelas, não tinha como ser o Hanry. Voltou para casa para esperar por seu menino, mas logo sentiu que ele tinha mesmo partido. “Quando eu abri a porta da minha casa, algo falou dentro do meu coração, uma voz dizendo ‘acabou, ele não está mais nessa vida’", conta.  

Hanry foi identificado pelo padrasto e por uma amiga de Márcia no IML. “Quando eles saíram de lá, não precisavam falar mais nada. Eu só gritava, e aí a ficha caiu, que a polícia tinha matado meu filho”, ela diz. “Eu me senti mutilada. Era como se tivessem tirado todas as minhas entranhas, o útero, o ovário, arrancado tudo”. 

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Márcia é apenas uma das milhares de mulheres que, todos os anos, precisam sobreviver ao assassinato de seus filhos por policiais. Sem apoio do mesmo Estado que leva seus filhos, elas enfrentam, além da perda, estigmas sociais, dificuldade de acesso à justiça e indignação com as estruturas de violência e poder das quais seus filhos foram vítimas.

“Quando perde um filho, à princípio, perde a possibilidade de uma construção de um futuro para a própria mãe, então isso já é traumático em si”, explica Bruno Cervilieri Fedri, psicólogo e coordenador-geral do Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI), núcleo de acolhimento a vítimas de violência e seus familiares localizado dentro do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo (SP). “Quando a gente fala em violência policial a gente incrementa ainda mais essa dor, no sentido de que nós estamos falando de uma instituição que foi feita para proteger e que acabou matando”.

Fedri comenta que, para uma mãe que perde um filho, é comum seguir um processo doloroso de elaboração do luto, especialmente crítico no primeiro ano após a morte. “Vai ser o primeiro natal sem o filho, o primeiro dia das mães, o primeiro réveillon. É como se tudo tivesse que ser reexperimentado por essa mãe”, diz. “Envolve depressão, ideação suicida, desesperança, descrença nas instituições de justiça, crises de valores religiosos...”    

 

À dor da perda somam-se ainda o choque, a revolta, a negação, e, não raro, a surpresa de descobrir que um representante do Estado pode provocar a morte de alguém. 

 

É o que conta Luciene Silva, que há 15 anos deu de cara com a terrível realidade da violência policial quando seu filho Raphael foi executado por um grupo de extermínio formado por policiais militares. Na noite de 31 de março de 2005, Raphael, então com 17 anos, estava de bicicleta na Rodovia Presidente Dutra com um amigo, e se tornou uma das vítimas da Chacina da Baixada. Além dele, outras 28 pessoas foram assassinadas aleatoriamente, em diferentes pontos dos municípios de Nova Iguaçu e Queimados (RJ). 

 

“Eu não sabia que existia grupo de extermínio, que polícia matava dessa forma. Eu vivia na minha zona de conforto, vidinha de dona de casa, criando os meus filhos”, ela diz. “E quando aconteceu, foi como uma bomba na minha cabeça, porque eu abri os olhos para o que estava acontecendo a minha volta o tempo todo, e eu não me dava conta”.

 

Luciene só ficou sabendo que o filho estava morto no dia seguinte, quando a foto dele foi usada para estampar uma manchete de jornal.

 

“É terrível, porque você percebe que qualquer um pode passar por isso, e percebe que você imaginava que isso nunca ia chegar na tua casa, e chegou,” conta. “É dilacerante. É uma dor que sobe, te rasgando toda, e parece que você vai enlouquecer”. 

Uma dor tão intensa que, muitas vezes, ultrapassa o plano emocional, podendo causar sequelas físicas, e até mesmo levar à morte. Diabetes, hipertensão, problemas cardíacos e câncer, entre outros, figuram na lista de enfermidades que muitas mães desenvolvem após verem seus filhos partirem, comenta Luciene, que está há mais de uma década à frente da Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense e em contato diário com outras mulheres, que, como ela, tiveram seus filhos assassinados.

A perda de um filho, por qualquer maneira, aponta para o que, na literatura de psicologia, é chamado de luto complicado, isto é, mais difícil de ser elaborado e superado, dependendo das circunstâncias. Em situações de violência, alguns fatores podem complexificar ainda mais este processo de luto, conforme explica Bruno Fedri. 

 

“É como se aquela violência eclipsasse a vida construtiva daquele filho e marcasse a lembrança pela violência que ele sofreu. O que acontece, não é raro, é que o filho só vai ser lembrado morto, um corpo no chão ensanguentado”, diz o psicólogo. 

 

Quando entramos no campo da violência policial, um fator complicador é o estigma que pode pesar sobre os mortos e seus familiares. Estereótipos negativos associados à juventude negra e moradora de favelas e periferias contribuem para que essa população, vítima majoritária da atuação letal das polícias, seja alvo de discriminação até mesmo na hora da morte.

 

“Quando um jovem negro e pobre é morto pela polícia, a sociedade logo o aponta como bandido. Geralmente, culpabilizando a mãe por não tê-lo criado adequadamente. A difamação das vítimas torna ainda mais crítica a situação dessas mulheres,” explica a psicóloga Jeane Saskya C. Tavares, em entrevista ao Metrópoles. 

Segundo o Anuário 2020 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 99,2% dos mortos em intervenções policiais civis e militares em 2019 eram homens, 73,8% tinham entre 15 e 29 anos de idade e 79,1% eram pretas ou pardas. Os dados abarcam um universo de 5.088 vítimas, 80% do número total contabilizado naquele ano, para as quais havia informações de gênero, raça e idade. 

 

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Uma vez estigmatizadas, mães podem se silenciar ou enfrentar um desafio maior para “falar sobre esse filho e a dor que fica”, comenta Fedri. “Ela é portadora de uma história de violência que nem todo mundo quer ouvir, especialmente num mundo onde você tem que ser bonito, instagramável, não pode chorar. Isso faz com que elas tendam a ficar isoladas e não comentar com outras pessoas,” diz o especialista. “O ponto número dois é que, uma vez falada, ela vai ser revitimizada por olhares e por pessoas que vão julgar essa pessoa que foi assassinada”.

 

Outros fatores complicadores do processo de luto são a deslegitimação da morte pelas instituições e a desumanização da vítima, frequentemente colocada em papel de suspeito, mesmo quando não tem envolvimento com grupos criminosos. “Se a instituição de justiça não leva em consideração essa morte, não faz valer o direito dessa família, estamos diante de um ser humano matável e que não tinha muito valor”, explica Fedri. “Que direito que ela vai sentir que tem em buscar ajuda e falar do filho morto se o mundo está tratando ela dessa forma?”

Fedri argumenta que a elaboração – e descomplicação – do luto passa por desenhar meios para que a mãe lembre do filho de maneira construtiva, conservando-o vivo em algum lugar, seja na memória, nos contatos com amigos ou até em um livro que ela venha a escrever. Passa ainda por criar estratégias para que ela possa lidar com a perda, investir atenção em outros assuntos além do filho, e seguir com sua vida. “A ideia é, ao longo desse processo, ela deixar de ser a dor, para ter a dor,” resume. 

 

Em 27 de outubro de 2013, um domingo, a polícia foi atender a um chamado de perturbação de sossego no Jardim Brasil, Zona Norte de São Paulo (SP). Douglas vinha caminhando pelo bairro ao lado do irmão mais novo e de um amigo quando uma viatura passou por eles e parou. Testemunhas dizem que o PM Luciano Pinheiro Bispo saiu do carro com a arma em punho, apontada para o peito do jovem. Quando sentiu o impacto da bala, que atingiu seu coração, Douglas ainda perguntou: “por que o senhor atirou em mim?”

 

“Eu costumava falar que não é uma dor, porque uma dor, você toma um remédio e passa. Esse tipo de coisa, é como se fizesse um buraco dentro de você, na tua alma. É um vazio que a gente sente dentro da gente, sabe?”, diz Rossana Martins, a mãe de Douglas. Ela conta que ficou meses na cama, sem fazer nada, e só começou a reagir por causa dos seus dois outros filhos, pelos quais precisou dar um jeito de sobreviver. 

Rossana Martins e seu filho, Douglas | Arquivo pessoal

Rossana começou a se encontrar com os amigos de Douglas depois que ele morreu. O apoio que recebeu dos colegas do jovem é o que a conforta e a ajuda a lidar com a ausência física do filho. “O sentimento é que ele tá vivo, ele continua, ele existe dentro do meu coração, na mente, nas camisetas…”, explica. “É gratificante para mim, como mãe, saber que os amigos amavam ele a ponto de me abraçar, como se estivessem abraçando ele em meu lugar”.

“Cada uma vive de uma forma, de uma maneira, mas a dor é igual para todas,” resume Luciene Silva. “Mãe é mãe, não interessa de quem é. A gente não quer saber se o menino era traficante, se era ladrão; a gente quer saber que aquele menino foi executado e a mãe dele tá sofrendo. E as pessoas têm que aprender a respeitar isso”.

VIOLÊNCIA POLICIAL

"A DITADURA NÃO ACABOU NA PERIFERIA, ELA CONTINUA"

Luan mal tinha completado 14 anos, quando sua mãe, Maria Medina Ribeiro, o enterrou. Quase um mês depois do seu aniversário, em um domingo, 5 de novembro de 2017, o jovem saiu de casa, na periferia de Santo André (SP), para comprar bolachas, enquanto esperava o almoço ficar pronto. Não voltou para comer a parmegiana que Medina preparava com tanto carinho.

 

Luan cortou caminho por uma viela a duas ruas da sua casa. Foi atingido na nuca com um tiro disparado por um policial militar, que estaria atendendo a um chamado para recuperar uma motocicleta roubada. “Meu filho estava passando”, conta Medina. “E o policial chegou e já desceu atirando. Dava muito bem para ele abordar todos os meninos que estavam lá, levar todo mundo para a delegacia, inclusive o meu filho. Aí eu tirava ele de lá, porque ele não tinha nada a ver com aquele problema”.  

 

Medina reconheceu o filho de cima da laje de uma sobrinha, onde subiu para enxergar a cena. O corpo já estava coberto por um lençol, mas quando o vento soprou, ela pôde ver o tênis que Luan estava usando aquele dia. 

 

O caso de Luan exemplifica bem uma ideia defendida por Eduardo Valério, promotor de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo: a de que a morte é um sinal de fracasso da polícia. “A gente precisa ter muita convicção que uma ocorrência policial que termina com morte é uma ocorrência que não deu certo”, ele diz. “A ocorrência policial que deu certo é aquela que, ou conseguiu pacificar o conflito sem nenhuma prisão ou, se houve um crime, com uma prisão”.

O uso da força é uma prerrogativa das polícias. No entanto, elas devem seguir alguns princípios básicos, acordados internacionalmente, como os de necessidade, legitimidade e proporcionalidade. Isto é, agentes de segurança podem empregar a força quando precisarem se defender, proteger outras pessoas, ou quando meios não-letais de gestão de conflitos não forem suficientes, mas sempre de forma proporcional à seriedade do dano que pretendem evitar e procurando minimizar lesões e respeitar a vida humana.

“A polícia tem o monopólio da força, legítimo, numa sociedade democrática. A questão é como ela usa, quais são os limites, como a gente controla?”, ressalta Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz

 

Dados mostram, contudo, que o uso da força tem escapado de princípios de legitimidade e que, ainda que a Constituição de 1988 proíba a pena de morte, agentes do Estado parecem ter uma espécie de ‘carta branca’ para matar. No ano em que Luan foi assassinado, 2017, as polícias brasileiras mataram 5.179 pessoas em intervenções policiais, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Desde então, as taxas de letalidade policial se mantiveram em alta: em 2019, os registros de mortes em decorrência de intervenções civis e militares, dentro e fora de serviço, saltaram para 6.357. Significa que agentes do Estado mataram o equivalente a 17,4 pessoas por dia no ano passado.

No primeiro semestre de 2020, a letalidade policial continuou em alta, em aparente contradição a um momento em que crimes contra o patrimônio caíram e, em resposta à pandemia de Covid-19, parte da população aderiu ao isolamento social. Em todo o país, foram ao menos 3.148 vítimas de intervenção policial em apenas seis meses, segundo o Monitor da Violência, valor 7% maior do que o mesmo período do ano passado. 

 

“No caso de São Paulo, quando a polícia acaba matando alguém, em geral [os casos] são precedidos de uma perseguição, de um suposto crime contra o patrimônio. Num momento em que não há, em tese, tantos supostos suspeitos na rua, ou nem tanto crime contra o patrimônio, o que que justifica isso?”, questiona Ricardo. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, São Paulo registrou 514 mortes pelas polícias civil e militar no primeiro semestre de 2020, um recorde

 

São números explosivos, que podem ser explicados, entre outros fatores, pelo ressurgimento de um discurso que legitima a letalidade como solução para os desafios de segurança pública do país, particularmente a partir de 2019.

 

Líderes como o presidente Jair Bolsonaro, Wilson Witzel, governador afastado do Rio de Janeiro, e João Dória, governador de São Paulo, eleitos em 2018, se alçaram ao poder com base em uma retórica “linha-dura” contra o crime e que favorece uma ação excessivamente violenta da polícia. Dória chegou a dizer que, em seu governo, a polícia ia “atirar para colocar no cemitério” e que iria pagar os melhores advogados para PMs que matassem suspeitos. Já Witzel afirmou que, na sua gestão, a polícia ia “mirar na cabecinha e… fogo”.    


“A partir do momento em que se tem um discurso oficial de um governo e que encontra ressonância em uma parcela considerável da sociedade, dizendo que a alternativa para se enfrentar a criminalidade urbana é matando o agente, é claro que o estímulo à prática do crime é evidente”, pontua Valério. “É um fenômeno casado: quanto mais autoritarismo, mais violência policial, quanto mais democracia, menos violência policial”.

O grau de truculência das polícias varia entre os estados. Rio de Janeiro é o lugar onde mais se mata: em 2019, o Instituto de Segurança Pública registrou 1.814 mortes por intervenção de agentes do Estado. São Paulo, com 867 vítimas em 2019, é o segundo estado onde as polícias mais matam, em números absolutos; enquanto Amapá e Sergipe, por exemplo, têm taxas altas de letalidade, com 15,1 e 7,2 assassinatos a cada 100 mil habitantes, respectivamente. No entanto, locais como Distrito Federal e Espírito Santo têm índices mais baixos de violência policial, que indicam maior controle do uso da força e a adoção de políticas baseadas em evidência e inteligência, ao invés do confronto.

 

Outro fator entra em jogo quando pensamos em letalidade policial: a lógica de combate ao inimigo, próxima do militarismo. “Quando as Forças Armadas entram em confronto, elas entram para neutralizar e matar o inimigo. É diferente da lógica da polícia, que deve prender, auxiliar o Judiciário, o Ministério Público, investigar elementos que causam distúrbios para ressocializá-los e trazê-los de volta para a sociedade”, explica o policial civil Leonel Radde, em reportagem de Ecoa

 

Para o promotor Eduardo Valério, a lógica do confronto é herança das políticas de segurança pública gestadas na Ditadura Civil-Militar de 1964-1985. “Nós continuamos tendo a mesma polícia não que atua e aborda para defender os direitos, e sim para derrubar o inimigo”, ele diz.

 

A polícia militar, responsável pelo patrulhamento ostensivo nas ruas, é de longe a que mais carrega casos de letalidade e uso excessivo da força. A corporação é militar de nascença, mas foi consolidada como tal durante os anos de Ditadura, tornando-se força auxiliar do Exército. 

 

Valério defende que a atuação bélica e puramente repressiva das polícias, tanto a militar quanto a civil, se mantém até hoje porque o Brasil nunca fez uma transição efetiva da Ditadura para a democracia. “Nós simplesmente substituímos os inimigos. Na Ditadura Militar, o inimigo era o terrorista e o subversivo, hoje é o traficante e o ladrão. Mas a estratégia é a mesma, que é a do enfrentamento, do atirar para matar”, comenta. 

Elizeu Soares Lopes, Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, acredita que a ideia de combate ao inimigo é até anterior, uma herança do período colonial, “quando os escravos eram vistos como inimigos das instituições”. 

 

Para Lopes, o fato de sermos uma sociedade violenta, que, ao longo de seu desenvolvimento, distinguiu sujeitos de direitos e de não-direitos, “notadamente, as pessoas que vivem na periferia e, por conseguinte, a população negra”, também contribui para o surgimento de uma lógica de confronto na segurança pública. ”Nós precisamos ressignificar portanto o conceito de cidadão. Todos somos cidadãos, ou seja, precisamos valer a Constituição de 1988,” pondera.

Políticas de combate também são muito legitimadas pelo povo, para quem a ideia de que criminosos merecem morrer ainda resiste. A lógica do “bandido bom é bandido morto”, a qual 57% dos brasileiros defendem de acordo com uma pesquisa de 2016, também é alimentada pelo próprio racismo estrutural que nossa sociedade carrega.

 

“A gente tem uma parcela da população que é considerada matável, que as pessoas se importam pouco, que são as pessoas pobres, negras, periféricas”, diz Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz. “A gente precisa se atentar a isso, olhar para a nossa história, entender que hoje quem é vítima de violência policial é sobretudo essa parcela da população, e fazer uma revisão histórica para entender que a polícia não pode matar as pessoas desse jeito, especialmente as negras”.

Ricardo cita também, para além de heranças históricas, uma lógica de segurança pública que não investe em prevenção e está sempre correndo atrás do prejuízo, privilegiando, portanto, o confronto.

Os relatos de Rossana Martins, a mãe do Douglas, seguem a mesma linha. “Eles querem mesmo é exterminar a molecada, sabe? Pelo fato de ser preto, pobre e periférico”, ela comenta. Na sua visão, as leis brasileiras não funcionam da mesma maneira para todos e a ação das polícias varia de acordo com as regiões em que elas estão atuando. “É que nem eu falei na época: ‘a única culpa que o meu filho teve de morrer dessa maneira foi ele ser pobre e morar numa periferia’,” diz. “A impressão que passa, da maneira que eles abordam, ou até mesmo que eles matam, [é] que nós pobres não temos direito de ir e vir.”

E ironicamente, conforme avalia o promotor Eduardo Valério, “acaba que muitas vezes esse próprio policial autor do crime é também uma vítima da estrutura policial que o levou à prática do crime”.

 

No Brasil, a polícia não mata apenas; ela também morre. Resultados de um questionário respondido por mais de 5.000 PMs cariocas em 2015 apontam que mais da metade tinha sido alvo de tiros no ano anterior, um terço já viu um colega ser baleado e um quinto já presenciou a morte de um companheiro, de acordo com reportagem da Folha de S. Paulo. No ano passado, ao menos 172 policiais civis e militares morreram dentro e fora de serviço, segundo o Anuário 2020 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

 

Mortes fora de serviço são prevalentes: dos agentes vitimados em 2019, 110 morreram em folga. É justamente nesses momentos que muitos policiais se valem dos ‘bicos’, onde atuam armados, em geral para empresas de segurança privada, e acabam ficando mais expostos. 

 

Para Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz, a vitimização policial, em especial nas folgas, tem relação com uma ideia de que o agente de segurança precisa ser um ‘Rambo’, que deve resolver os problemas a qualquer custo. 

 

“O cara não deixa de ser o super-herói nunca, então ele acaba morrendo, se envolvendo, porque ele vai às vezes até defender uma vítima mesmo, numa situação que ele deveria chamar reforço, e não ele ir lá”, aponta. “Nessa lógica que não admite o erro, a fragilidade, a vulnerabilidade de quem tá ali, o cara vai ser sempre tratado como um Rambo e não vai dar certo, nem pro bem nem pro mal”.

 

As taxas de suicídio também são altas: pelo menos 91 policiais civis e militares tiraram a própria vida em 2019, também segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um valor maior do que o de agentes que morreram em serviço. É impossível estabelecer um único motivo que leve uma pessoa ao suicídio, no entanto, conforme investiga a Agência Pública, fatores de risco podem incluir o estresse, o medo e a exposição à violência inerentes à profissão, a rotina de hierarquia rígida e assédio moral e a dificuldade de pedir e receber ajuda da instituição.

 

“A autoestima do policial não deve ser medida por atitudes violentas”, defende o Ouvidor das Polícias de São Paulo, Elizeu Lopes. “Então, é preciso construir uma ideia de uma polícia que vá ao encontro de uma das missões da polícia, que é ir em busca da paz, da harmonia social, de proteger vidas”. 

INVESTIGAÇÃO

"COMO MÃE, A GENTE PODE SER TUDO. ADVOGADO, PERITO, PROMOTOR DE JUSTIÇA..."

No dia que Victor morreu, Solange Oliveira acordou cedo. Conversou com o filho desde as primeiras horas da manhã e o acompanhou enquanto ele se arrumava para sair. Era uma terça-feira, 3 de março de 2015: Victor tinha 20 anos e foi assassinado por um policial civil do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (GARRA) durante uma saidinha de banco, quando a vítima é assaltada depois de sacar dinheiro em instituições financeiras, no bairro de Perdizes, em São Paulo (SP).  

 

Depois de nove meses em depressão, Sol se levantou. Foi do Google ao Centro de Direitos Humanos de Sapopemba — bairro em que mora, em São Paulo —, da Ouvidoria das Polícias ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, atrás de mais informações sobre seus direitos e sobre a morte de Victor. Nas suas investigações, descobriu uma filmagem, entregue por uma funcionária do banco. Dois anos de luta e insistência depois, conseguiu uma cópia do vídeo.

 

 

“Eu vi essa filmagem. E ali mostra uma execução nítida”, ela conta. Sol diz que o filho estava armado, mas tentou correr quando percebeu a chegada do policial. Victor acabou caindo. Ela relata que, mesmo com o filho no chão, já rendido, o policial deu três disparos: na face, no ombro e na lombar de Victor.

Sol conta que levou a filmagem ao promotor que assumiu o caso de Victor, mas o processo foi arquivado. "Me deu uma crise de choro quando eu saí daquela sala, porque ali ele tava matando meu filho de novo. Ali eu sabia que meu filho só ia ser mais um número na estatística", ela diz, sobre o momento em que soube que seria pedido o arquivamento do caso de Victor. "A bala mata, mas a caneta também, quando o promotor pede arquivamento sem ter uma investigação. Porque não tem investigação para o jovem que foi executado da periferia, não existe investigação".

Não fosse a insistência e o esforço de Márcia Jacintho, é provável que a morte de Hanry também ficasse sem investigação, impune — apenas mais um ‘auto de resistência’. 

 

Depois que Hanry foi assassinado, Márcia quis se isolar. Ficou três meses trancada em casa, chorando e lembrando do filho, período em que perdeu mais de 17 quilos. O tempo que passou em casa, contudo, acabou ajudando: ela começou a assistir filmes e séries de investigação criminal e decidiu descobrir o que tinha realmente acontecido com o seu menino. 

 

“Ou você fica no luto, definha, entra em depressão e morre, ou você sai do luto e vai pra luta, e foi isso que eu fiz,” ela conta. “Deus me orientou e eu fui inspirada para poder, nos mínimos detalhes, fazer com que se desvendasse e viesse à tona, de fato, a execução do meu filho”.

 

Márcia conseguiu acessar o inquérito através da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Descobriu que os policiais falavam em troca de tiros e alegavam terem encontrado um revólver de calibre .38 e trouxinhas de maconha junto de Hanry. Era a imagem perfeita de um traficante. 

 

O ‘auto de resistência’, ou ‘resistência seguida de morte’, é um dispositivo inventado durante a Ditadura Militar de 1964-1985, usado para indicar que um suposto criminoso resistiu à prisão e acabou baleado em uma troca de tiros. Quando um caso é assim registrado, entende-se que a morte foi provocada em legítima defesa do policial. Em geral, a narrativa do policial é tomada como versão oficial e os crimes deixam de ser apurados. 

 

“Basta dizer que houve ali uma resistência para que a apuração seja arquivada,” adiciona Gabriel Sampaio, coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional e de Litígio Estratégico da Conectas Direitos Humanos. Um estudo de 2011, coordenado pelo sociólogo Michel Misse, por exemplo, concluiu que, dos 355 inquéritos abertos para investigar autos de resistência registrados no estado do Rio de Janeiro em 2005, 99,2% foram arquivados. 

 

A nomenclatura já não é mais usada: casos que envolvam mortes provocadas pelas polícias agora são designados como ‘homicídios decorrentes de oposição à ação policial’ ou ‘mortes decorrentes de intervenção policial’. 

 

Sampaio, no entanto, diz que uma mudança de nome não basta. “É fundamental que se assegurem os meios de investigação e de esclarecimento das mortes,” ele afirma. “Cada morte deve ter perícia, cada morte deve ter a atuação da polícia judiciária, investigando cada elemento para confrontar com aquilo que é dito simplesmente por uma testemunha policial”. Ele aponta que o Projeto de Lei 4.471/2012, que cria mecanismos para garantir a apuração dos crimes e acabar com os autos de resistência, segue aguardando votação do Congresso Nacional.

 

Na boa parte das vezes, porém — como no caso de Hanry —, essa resistência é forjada. 

 

Márcia promoveu uma investigação própria depois de ver seu filho ser caracterizado como traficante. Tirou fotos da cena do crime e rodou o Morro do Gambá em busca de testemunhas. Conseguiu encontrar uma pessoa que viu quando os agentes roubaram um lençol de uma casa para descer com o corpo, e também provar que a bala que matou Hanry entrou de cima para baixo, sinalizando execução, ao contrário do que argumentavam os policiais. 

 

Descobriu que Hanry levava apenas um chaveiro nas mãos quando foi abordado pelos policiais, levado para uma mata e assassinado. O arrego que os agentes foram buscar horas antes não foi pago — e eles se vingaram no primeiro que encontraram, ela soube. “Meu filho morreu porque não era bandido”, afirma.

Em 2008, Márcia atuou como assistente de acusação e ajudou a Justiça a condenar dois dos policiais: Marcos Alves da Silva, por homicídio e fraude processual, e Paulo Roberto Paschuini, pelo último crime. “A única coisa que eu não queria era morrer sem realmente limpar o nome do filho, e vê-los, claro, punidos. Não é ódio, não era vingança, era fazer por direito a justiça”, diz. “Se eu não luto, se eu não sou 100% a visão da justiça, não ia dar em nada, meu filho ia continuar lá como traficante. Não que se fosse, teria que ganhar um único tiro no coração”. 

 

A condenação a que Márcia assistiu nem sempre é atingida. Um levantamento da Ponte Jornalismo, por exemplo, indica que, ao passo em que a letalidade policial aumentava em São Paulo em 2019, apenas 35 PMs foram presos por homicídios. Entre 2011 e 2019, a cada 10 pessoas mortas pela polícia militar em São Paulo, somente 1 PM foi preso. 

 

Eduardo Valério, do Ministério Público de São Paulo, explica que a mentalidade popular de que policiais podem, sim, matar, dificulta a obtenção de condenações no Tribunal do Júri. 

 

“São réus em geral de classes muito mais baixas e os jurados são escolhidos entre a classe média, e aí hoje, na estratificação de classe nós temos modos de pensar distintos”, diz. “Os colegas promotores de justiça do júri muitas vezes levam um caso de execução para ser julgado por sete integrantes de uma classe social dessas que alimentam a história do bandido bom, bandido morto. Aí vai condenar que jeito?”

 

Outro desafio é a própria fragilidade da investigação e da produção de provas, o que pode gerar impunidade. Por isso, Valério ressalta a importância de isolar o local do crime e impedir que os policiais mexam na cena. 

 

O promotor também defende que as perícias médico-legais “sejam o mais fiéis possíveis para demonstrar eventuais execuções”, que os familiares e conhecidos das vítimas “sejam ouvidos e possam de alguma forma participar e contribuir na investigação”, e que a Polícia Civil, o Ministério Público e o poder judiciário tenham autonomia e isenção para investigar e responsabilizar eventuais culpados, além de “uma própria corporação policial interessada em tirar dessas ocorrências as lições para a não-repetição”.

 

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, adiciona que investigações precisam ser feitas de forma rápida e argumenta em favor do afastamento automático de policiais envolvidos em situações de abuso até que o processo de apuração termine. 

 

“A coisa que o policial mais gosta é estar na rua. Você tira ele da rua e põe no administrativo, isso tem um impacto enorme. A tropa sabe disso e vai pensar duas vezes antes de apertar o gatilho”, ela diz.

MUDANÇAS

"PRA MUDAR ALGUMA COISA..."

É possível pensar em uma polícia menos repressiva, que cumpra sua função sem violar os direitos humanos dos cidadãos? Não faltam propostas de especialistas, movimentos sociais e membros do sistema de segurança pública. Em comum, as fontes ouvidas para essa reportagem sugerem que o caminho para isso é o de um controle mais eficaz sobre a atividade policial.

 

“Esse monopólio do uso da força tem que ter parâmetros, tem que ter prerrogativas, não pode ser uma atividade fora do alcance da lei”, defende Elizeu Soares Lopes, Ouvidor das Polícias de São Paulo. As Ouvidorias de Polícia são peça-chave nesse processo: responsáveis por receber denúncias e fazer análises e recomendações, elas têm papel fundamental na fiscalização de abusos e na proposição de medidas para melhorar o sistema de segurança pública, além de serem um instrumento importante de diálogo com a população e com o comando das polícias. 

 

Lopes comenta que, diante do aumento da letalidade policial em São Paulo nos primeiros meses de 2020, a Ouvidoria teve uma postura crítica, “sobretudo de provocar a Secretaria de Segurança Pública para que viesse a dar uma explicação” e de condenar publicamente a atividade policial abusiva. Ele defende que a ação da Ouvidoria contribuiu para a queda das mortes provocadas pelas polícias paulistas a partir de junho. Além disso, explica que a Ouvidoria de São Paulo está propondo a criação de câmaras técnicas para dialogar sobre letalidade, racismo e atuação policial, entre outros temas, e pensar em soluções junto ao sistema de segurança pública e a sociedade civil.

 

Também responsáveis pelo controle da atividade policial são as Corregedorias das Polícias, que investigam e punem policiais abusivos administrativamente, e os Ministérios Públicos, que devem olhar externamente para como a polícia desempenha suas atribuições.

 

O controle externo das polícias foi atribuído ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988, mas Eduardo Valério, promotor do MPSP, acredita que passados 32 anos, ainda não foi possível atingir algo consistente. “O que nós estamos falando é de olhar a corporação policial militar e a instituição policial civil, além da polícia científica, organicamente, estruturalmente,” ele diz. Isto é, analisar as formas de recrutamento, o treinamento, a maneira de escolher e usar o armamento, os procedimentos policiais. “Esse olhar estrutural é que nós nunca conseguimos aprimorar”.

Em 2019, Valério e outro colega entraram com uma ação civil pública para exigir do governo paulista a criação de medidas objetivas para conter a letalidade e aprimorar o controle das atividades policiais, tanto pela sociedade quanto por instituições como a Ouvidoria e o Ministério Público. São dezenas de pedidos, que vão desde a colocação de câmeras nos coletes dos agentes e gravação de som ambiente até a criação de uma Comissão de Letalidade Policial, que possa analisar as mortes provocadas por policiais, identificar suas causas e buscar medidas preventivas para evitar sua repetição. 

 

A ação civil proposta por Valério ainda está tramitando junto ao Judiciário. Em agosto, porém, parte da PM de São Paulo começou a utilizar câmeras corporais, em uma iniciativa do governo para dar mais transparência às ações da corporação. Diferentemente do que pedem os promotores, as câmeras são ligadas e desligadas pelos próprios policiais. “O nosso pedido é que em toda e qualquer atuação da polícia na via pública, ela precisa ser filmada; e mais do que isso, que o produto dessa filmagem depois não possa ser editado, e mais do que isso, que o produto dessa filmagem seja guardado, não apenas na própria Polícia Militar, mas no Ministério Público e na Ouvidoria”, diz Valério.

 

Seguindo a mesma linha, Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, acredita que sem procedimentos e propósitos claros sobre o que será feito com as imagens, controle para que não sejam adulteradas, qual a responsabilização de um policial que for pego fazendo mal uso do equipamento, entre outros, as câmeras ajudam pouco. 

Por isso, ela advoga por uma profissionalização das corporações, com a definição de políticas de uso da força claras e uma abertura para a análise de casos de abusos e discussões aprofundadas sobre racismo e desigualdade.

As mães que compartilharam suas histórias com essa reportagem também apontam caminhos para que se encerre o ciclo de violência e letalidade policial que assola o Estado brasileiro. Rossana Martins, a mãe de Douglas, e Medina Ribeiro, a mãe de Luan, por exemplo, comentam que falta preparo policial e que os agentes precisam ser melhor treinados, particularmente para garantir que todos, sem distinção de cor ou local de moradia, tenham seus direitos respeitados. 

 

“O que eu acho importante: a lei servir para periféricos e pra quem mora nos Jardins, ser igual para todos; e nós, periféricos, termos o direito de ir e vir”, enumera Rossana. “A molecada quer se reunir, quer conversar, quer extravasar, e não pode? Já vem sofrendo uma abordagem?”, ela questiona.

 

Já Luciene Silva, a mãe de Raphael, procura incidir politicamente nos municípios da Baixada Fluminense para conseguir apoio do poder público às mães das vítimas, através da Rede de Mães e Familiares. Para 2021, ela visa a construção de um plano de prevenção e redução de homicídios junto à prefeitura de Nova Iguaçu (RJ), com envolvimento das Secretarias de Educação e Cultura do município.


“A gente quer que esse plano de prevenção de homicídios seja construído de uma maneira que a gente consiga tratar o mal pela raiz. Então é a gente trabalhar a mentalidade das pessoas, trazer reflexão, vários debates”, ela explica. “Se a gente não construir uma geração sem preconceitos, com mente saudável, e que tenha conhecimento da conquista que a gente pode ter se a gente tiver unidos e for de encontro a esse Estado exigir os nossos direitos, vai ser difícil a gente mudar alguma coisa”.

Outro termo encabeça a conversa sobre uma reestruturação do sistema policial brasileiro: a desmilitarização. A pauta divide opiniões e gera polêmica, mas seus defensores argumentam que ela diz mais respeito a mudar a cultura da corporação, aproximá-la da sociedade e orientá-la para a defesa de direitos, desmontando a ideia de combate ao inimigo.  

 

“Eu uso uma expressão até romântica: ‘desmilitarizar não é tirar a arma do corpo do policial, é tirar a arma da alma do policial’. É portanto uma outra maneira de se fazer e de se ver o policiamento”, aponta o promotor Eduardo Valério. Ele se diz totalmente favorável à proposta, que chegou a se tornar uma Proposta de Emenda à Constituição, atualmente arquivada. “Claro que a gente tem as nossas dificuldades aqui no Brasil, é uma sociedade violenta, por conta até da desigualdade, da exclusão, e o uso da força, infelizmente, é necessário. A questão é a maneira como a polícia se posiciona perante a sociedade, é isto que a faz militar ou não”.

 

Para Carolina Ricardo, mais do que discutir a desmilitarização em si, é preciso apontar aspectos específicos do militarismo que não funcionam e devem ser alterados. Ela defende, por exemplo, a extinção da Justiça Militar, a desvinculação das polícias militares do Exército, a modernização dos regimentos e códigos disciplinares e a regulamentação do direito dos policiais à sindicalização e de greve. 

 

Os próprios policiais são favoráveis às reformas que Ricardo levanta, conforme mostra pesquisa de 2014 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que entrevistou mais de 21 mil agentes de todo o Brasil. Segundo o levantamento, 63,5% dos entrevistados querem o fim da Justiça Militar, 73,7% apoiam a desvinculação da PM do Exército e 93,6% acreditam que os regulamentos disciplinares precisam ser modernizados. Outros 87,3% acham que o trabalho das polícias deveria ser reorientado para a proteção dos direitos humanos. 

 

No entanto, Ricardo aponta que as instituições policiais são fechadas ao controle e resistentes à mudanças. “É muito difícil fazer um debate público razoável com a polícia sobre letalidade, sempre vem uma postura muito defensiva dizendo que a polícia age corretamente”, ela diz. Para ela, a polícia precisa entender que o uso da força faz parte do mandato público e que a sociedade precisa participar dessa discussão. 

 

“A gente precisa se apropriar desse debate,” comenta Ricardo. Para ela, a sociedade tem que procurar conhecer e cobrar políticas de segurança pública eficientes, que não sigam apenas a linha do “pedra, porrada e bomba”, mas falem de prevenção, uso de dados, integração entre as polícias e planejamento. “É duro, mas a gente tem que falar de polícia, da polícia que a gente quer”, diz.

LUTA

"ENQUANTO VIDA EU TIVER, EU LUTO"

Fernando morreu em uma quinta, 13 de agosto de 2015 – ele estava a poucas ruas de casa, no Bar do Juvenal, em Osasco (SP), quando se tornou uma das vítimas da maior chacina da história do estado. Naquela noite, Zilda de Paula estava assistindo televisão e chegou a ouvir os tiros que tiraram a vida do seu único filho, então com 34 anos, e de ao menos outras 18 pessoas nas cidades de Osasco e Barueri. 

 

No domingo, depois de enterrar o filho, Zilda participou de uma primeira manifestação por justiça e em memória dos que morreram na Chacina de Osasco e Barueri, chamado por diversos movimentos sociais, entre eles, as Mães de Maio. O segundo ato, uma semana depois, foi ela mesma quem organizou: uma missa de sétimo dia, na frente do bar onde Fernando morreu, com a presença de um padre, um pai-de-santo e um pastor. 

 

Foi assim que o luto de Zilda começou a virar luta.

 

“Naquele tempo era a única que falava, as mães não conseguiam falar, tava todo mundo em choque. Porque cada uma tem um jeito de por pra fora, e o meu jeito de por pra fora é falar. Eu consigo até o fim”, diz. Por causa dessa característica, assumiu a liderança das Mães de Osasco e Barueri, que juntou mães e familiares dos assassinados na chacina para cobrar respostas, reivindicar indenizações e ajudar outras sobreviventes da violência policial. 

 

“Eu frequento todos os grupos que me chamam, todos os atos eu vou, levo meus mortos nas costas e vou embora”, ela conta. “Você consola aquela mãe, você divide a tua dor, você xinga junto quem fez, é tudo dividido. E assim a gente vai respirando, né?”.

 

São dezenas de grupos como o que Zilda lidera espalhados por todo o país, através dos quais mães de vítimas se unem pela dor e pelo afeto para apoiarem umas às outras, clamarem por justiça e resistirem às violências e opressões do mesmo Estado que levou seus filhos embora. Mulheres como as Mães de Maio, nascidas em 2006, após os assassinatos de ao menos 564 pessoas em São Paulo, a maioria com o envolvimento de policiais e agentes do Estado; ou como as Mães de Acari, que se juntaram em 1990 após o desaparecimento forçado de seus filhos de um sítio em Magé, no Rio de Janeiro – provocado por um grupo de extermínio formado por policiais militares, entre tantas outras. Ambos os crimes ainda seguem impunes.

 

“Em geral são mulheres negras, moradoras de favela, de periferia, que já são territórios que têm uma presença diferenciada do Estado, e elas passam por situações também de racismo, machismo, truculência da polícia…”, enumera Juliana de Farias, pós-doutoranda do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pesquisadora de movimentos de mães contra a violência policial. “São tantas camadas de opressão que se sobrepõem, que quando acontece isso [a morte do filho], é como se fosse um ‘até isso eu vou ter que aguentar?’”. 

Zilda de Paula, com uma foto de seu filho, Fernando | Victória Martins

Maria José de Lima Silva também perdeu seu filho, Rodrigo, então com 16 anos, na chacina do dia 13 de agosto de 2015, em Osasco. “[Ele] era a paixão da minha vida, e hoje me faz muita falta”, ela desabafa. 

 

No começo da noite, ele parou para comprar sorvete com a namorada, que estava grávida de quatro meses. Ela foi embora, mas Rodrigo decidiu ficar — como estava de bicicleta, resolveu pegar carona na rabeira de um caminhão para subir para casa com mais facilidade. Estava na porta da sorveteria quando levou dois tiros, vindos de dentro de um carro prata. 

 

Além da pequena Lara, a filha que Rodrigo deixou, foi junto às Mães de Osasco e Barueri que Maria José encontrou o apoio que precisava para ir se levantando. “Uma foi dando força para a outra”, diz. “E assim a gente vai virando uma família”. 

 

Maria garante que vai “até o fim” para conseguir justiça, o que, para ela, significa ver os policiais responsáveis pela chacina “pagarem pelo erro que eles fizeram” — três ex-PMs e um guarda civil municipal foram condenados, mas o ex-PM Victor Cristilder e o guarda Sérgio Manhanhã tiveram suas sentenças anuladas em 2019 e aguardam novo julgamento. No entanto, ela diz que, hoje, sua luta também envolve estender um ombro amigo para outras mães que, como ela, perderam seus filhos nas mãos de agentes do Estado.  

 

“Se você está passando um aperto, aí chega uma pessoa, te dá um abraço, fala ‘calma, eu sei que não é fácil, mas você vai se levantar, você vai passar por isso, eu também já passei’, levanta o astral da gente, por mais triste que você esteja”, ela explica. “A gente tem que sair no mundo ajudando umas às outras, conversando e falando, para ver se o país muda, porque está um absurdo”.  

 

O cuidado que essas mulheres têm umas com as outras é uma marca do movimento das mães, além de um “ensinamento importantíssimo” que elas têm para passar, explica Farias. “O principal que elas podem ensinar é que dá para fazer resistência com muito afeto, com carinho, com uma valorização de memórias que estão ligadas a coisas boas, não só a opressão, não só a dor”, comenta. 

 

Cuidado este, inclusive, que elas levam para a rua, embaralhando por completo ideias patriarcais que associam o privado ao espaço da mulher e o público, ao do homem. Em audiências e manifestações, aponta Farias, muitas carregam com elas as roupas, documentos e objetos dos filhos, “que poderiam habitar apenas o doméstico”, mas viram cartazes e imagens de protesto. “Elas ocupam o espaço público com seus corpos a partir desse lugar de cuidado por excelência, que é o lugar da mãe”, diz a pesquisadora. “Eu acho muito sensacional, na verdade, essa explosão das divisões de gênero que elas fazem”.

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Maria José de Lima Silva, com fotos de seu filho, Rodrigo | Victória Martins

Solange de Oliveira, a mãe de Victor, nunca nem tinha ouvido falar no movimento das mães antes de perder o filho. Hoje, é uma das principais lideranças das Mães em Luto da Zona Leste, coletivo que ela ajudou a criar em São Paulo. Ela conta que foi a através da luta e da união com outras mães iguais a ela que descobriu como sobreviver. 

 

“Quando o filho perde o pai, ele é órfão. Quando é a mulher que perde o marido, ou vice-versa, ela é viúva. E quando a mãe perde um filho, o que ela é?”, questiona. “Não existe uma palavra no dicionário e nunca vai existir, mas uma mãe com a outra, no olhar a gente sabe o que a outra está sentindo, porque a gente sente”.

 

Com o caso de Victor arquivado, Sol batalha para que seus outros filhos, seus netos, e todos os outros jovens das periferias fiquem vivos e tenham seus direitos respeitados. “Existem muitas mulheres, mães, guerreiras, leoas, que têm seu filho hoje só em pensamento, mas estão lutando; a gente luta hoje pela vida, porque a justiça muito poucos que têm”, diz. 

 

As mães de vítimas de violência policial têm trajetórias variadas de luta. Muitas não querem ou conseguem se engajar, várias desistem ou se afastam do movimento, algumas até morrem de desgosto. 

 

Medina Ribeiro, a mãe de Luan, por exemplo, chegou a se aproximar das Mães em Luto da Zona Leste, mas não teve como se dedicar com exclusividade ao movimento. Mesmo assim, o contato com outras mães deu a coragem para que ela pudesse seguir em frente, sempre buscando justiça pelo filho. “Eu olhei para trás e vi que não estava sozinha”,  lembra.  

 

Hoje, ela cobra respostas de advogados, acompanha de perto o andamento do caso, dá entrevistas e garante que seu filho não será esquecido. “[Eu] sou a voz do meu filho, então eu ainda vou provar a inocência [dele] e vou gritar, vocês ainda vão ouvir que eu fiz a justiça. Não só eu como todas as mães que estão nessa luta”, afirma. “Nem que seja a última coisa que eu faça aqui na terra, é fazer justiça para ele [o policial que matou Luan] pagar pelo que ele fez”.

 

Outras mães tomam para si, além das reivindicações por seus filhos, as lutas por todos e todas que sentem a violência do Estado na pele. É o caso de Luciene Silva, a mãe do Raphael. 

 

Alguns meses depois da Chacina da Baixada, ela voltou para Nova Iguaçu (RJ), onde conheceu mães que participavam de movimentos já bastante estruturados na cidade do Rio de Janeiro, com quem aprendeu e nas quais se apoiou. Foi então que a militância entrou de vez em seu sangue. “Foi como o ar que eu respiro, foi um combustível para mim”, conta.

 

Luciene prometeu para Raphael que jamais deixaria as pessoas se esquecerem do que aconteceu naquele 31 de março de 2005. Todos os anos, mantêm viva essa promessa com caminhadas em homenagem aos mortos na chacina e a todas as vítimas de violência policial. Também levantou a Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense, que acolhe mulheres que perderam seus filhos e luta junto delas por reparação, tratamentos psicossociais, apoio jurídico e quaisquer outras demandas que possam surgir.

 

“Apoiar com um abraço, com um ombro amigo, dando as mãos, é maravilhoso, mas a gente tem que principalmente mostrar para essas mulheres que se a gente não lutar e não tomar uma atitude, outras famílias vão passar pela mesma coisa”, ela explica. “Então é abrir a mente da população para que com a nossa luta, a nossa união, a gente consiga dar um passo à frente, constrangendo o poder público, interferindo na política de segurança pública, para que esses territórios não sofram as violações que sofrem, com a polícia, com a milícia, com o tráfico, com os matadores”.

 

Segundo Juliana de Farias, a mãe, figura respeitada à priori e que tem laços muito fortes com a vítima, ganha autoridade para falar em nome do filho que se foi e legitimidade para reivindicar direitos. Ao compartilharem suas histórias, elas, além de manterem viva a memória dos filhos, transformam a maternidade em categoria política, a qual acionam para explicitar o terrorismo do Estado brasileiro e chamar atenção para sua dor. 

 

“Não dá pra uma pessoa que tenha alguma preocupação qualquer na vida ouvir uma mãe dessa falando e não ficar comovida”, comenta a pesquisadora. Através da emoção, elas conseguem sensibilizar as pessoas para processos intencionais de massacre e genocídio, que estão enraizados na história do Estado brasileiro. “Elas têm leituras muito elaboradas de todo o processo político dessa engrenagem de morte”, adiciona.

 

Curiosamente, em diversas situações onde as mães lutam ao lado de tias, irmãs e familiares das vítimas, além de outros aliados, todo o grupo “vira mãe”, isto é, se reveste da força política que essas mães carregam.

Ato dos 5 anos da Chacina de Osasco e Barueri, em agosto de 2020 | Victória Martins

A luta das mães é parte fundamental, ainda, de uma outra batalha, que clama por justiça sexual e reprodutiva, de acordo com a antropóloga e integrante da Rede de Mulheres Negras Evangélicas Simony dos Anjos. Isto é, pelo direito de todas as mulheres de escolherem ser ou não mães e, ao decidirem ou por algum motivo se tornarem mães, de terem acesso a uma maternidade plena, digna e saudável. 

 

Quando um jovem morre pela violência urbana, policial ou do Estado, sua mãe tem o direito à maternidade violado, comenta Anjos. Assim, ao pedirem dignidade e justiça para seus filhos, elas também estão lutando em favor de uma estrutura social onde elas possam ter seus direitos maternos, e os de seus filhos, efetivados. 

 

“Só que a gente tem que ver que a violação da maternidade não se dá só no momento em que esse jovem é assassinado, [ela] vem se dando desde quando essa mulher está gestando”, Anjos pondera. A antropóloga avalia que, por conta de uma moralidade presente na sociedade brasileira, nenhuma mulher tem seus direitos sexuais e reprodutivos plenamente reconhecidos; no entanto, são as mulheres negras — e, também, as mães de filhos negros — as que mais têm esses direitos violados. 

 

“As meninas negras são as mais violadas, as adolescentes são as que mais engravidam; aí quando a gente está grávida, a gente tem um pré-natal muito dificultado, a gente sofre mais violência obstétrica, são as que mais são estupradas na hora de ter o parto. Quando as crianças nascem, são as que mais morrem de mortes neo-natais, quando essas crianças crescem, elas têm pouco acesso ao pediatra, à educação, à cultura; quando essas mulheres trabalham, elas têm dificuldade de ter lugar aonde deixar seus filhos. E quando esses filhos passam por todo esse desafio, a cada 23 minutos um jovem negro é morto”, ela explica. “E isso também é questão de justiça reprodutiva, porque quando você tem um filho, você tem o direito de vê-lo crescer com qualidade de vida, com segurança, e as mulheres negras são alijadas desses direitos”. 

 

Para que os direitos sexuais e reprodutivos de todas as mulheres sejam reconhecidos, é preciso antes desmontar a estrutura racista da nossa sociedade. “É interessante a gente pensar que enquanto as mulheres negras e indígenas, que estão na base [da sociedade], têm seus direitos sexuais e reprodutivos violados, as mulheres brancas também não estarão com seus direitos garantidos”, diz Anjos. “Por isso a gente diz que quando as mulheres negras se movimentam, elas mexem toda a sociedade, porque inclusive mulheres não-negras são beneficiadas pelos direitos conquistados pelas mulheres negras”. A luta por justiça reprodutiva, assim, surge como uma das perspectivas da luta antirracista, expondo as formas como o racismo oprime o corpo feminino negro.

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Ato de 1 ano da Chacina de Costa Barros, em novembro de 2016 | Fotos Públicas

J.* não quis ser identificada por receio de sofrer represálias dos policiais da região em que mora. B.*, o filho dela, foi assassinado aos 21 anos — tinha emprestado o carro para amigos fazerem um assalto e, quando foi pegar o veículo, foi surpreendido pela polícia. Um dos colegas de B. atirou, mas ele correu e se escondeu na casa de uma tia, desarmado, diz J. “Eles entraram, meu filho estava num quarto com menos de dois metros quadrados, com cinco policiais. Eles deram cinco tiros no B.”, ela diz. “Ele estava com o celular no bolso, dinheiro e a aliança dele, nova. Eles pegaram a aliança, pegaram o celular, tiraram foto dele [morto] e saíram mandando”.

 

Desde que o filho morreu, J. e sua família foram intimidados e ridicularizados por alguns agentes. “Eles falavam: ‘mais um neguinho, já foi, fizemos nossa parte’”, ela diz. A intensidade das piadas e comentários diminuiu com o tempo, mas J. afirma que policiais ainda “passam olhando e apontando”. 

 

Para a pesquisadora Juliana de Farias, não existe resposta positiva do Estado às mães que perdem os filhos para a violência policial. “O Estado responde, mas na maior parte dos casos, com mais violência. O estado responde ameaçando, o Estado responde quando a polícia persegue essas famílias que fazem denúncia, que batem na porta, que fazem ameaça. O Estado responde às vezes impedindo uma determinada manifestação de acontecer na rua”, ela diz. “O Estado tem muitas respostas e, praticamente todas, nessa linguagem também violenta, de impor terror, a partir de uma situação que já foi muito violenta”.

 

Mesmo quando as mães conseguem que a Justiça condene os policiais responsáveis pelas mortes, essa resposta pode não ser suficiente, Farias acredita. “Já teve situações de condenação em que eu estava junto, e a mãe, quando ouviu, falou: ‘ué, só isso?’ E era uma coisa de achar pouca a quantidade de tempo, mas ao mesmo tempo de perceber que ela conseguiu que o policial fosse preso, mas que aquilo não trás o filho dela de volta”, explica. 

 

J. conta que não recebeu amparo algum do Estado, e ainda viu o processo de B. ser arquivado. “Para eles, é só mais um”, diz. Mesmo assim, ela não desiste de lutar — participa da militância e sempre gosta de contar à novas mães como B. morreu e as estratégias que ela acessa para ir se levantando. “Mostro que não vai ser fácil, a gente não vai esquecer, só que a gente está ali para ajudar, e a gente precisa dar um basta”, ela comenta. “Juntas, a gente pode mostrar para eles que a gente tá de pé e que, se eles vacilarem, a gente tá de olho. Sei que ainda vão existir muitos B., muitos R.*, muitos L.*, mas enquanto a gente puder correr atrás, a gente vai salvar também muitos B., muitos R. e muitos L. da mão deles”.

 

Rossana Martins, a mãe do Douglas, diz que só recebeu uma “resposta fajuta”, uma vez que um armeiro teria provado que o revólver calibre 40 que o policial carregava no dia que seu filho foi morto disparava com um “simples chacoalhão”. “Tinham provas, tinham testemunhas que o policial desce com a arma em punho, apontando a arma para o peito do meu filho, sabe?”, desabafa. Em 2016, o policial foi absolvido por insuficiência de provas, mas Rossana entrou com um processo contra a Taurus, fabricante da arma. “Eu ainda não perdi as esperanças. Se der que aquela arma não tinha defeito, isso só prova que o policial teve a intenção de matar, correto?”, diz. “Uma mãe nunca desiste de um filho e eu jamais vou desistir do Dodô”.

 

“Nós somos formiguinhas. E a arma que nós mães temos é a nossa boca. Aonde tiver porta que a gente possa falar, gritar e pedir socorro, uma hora alguém vai nos ouvir,” afirma Rossana. “Eu não sei se eu vou estar viva quando isso acontecer, mas eu vou ficar feliz que meus netos vão estar, e vão ver um país melhor, com direito de ir e vir”, finaliza.

*Iniciais fictícias, para preservar a identidade da fonte.

 

Nota: Até a finalização desta reportagem, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não respondeu a questionamentos sobre os casos aqui citados e que ocorreram no estado de São Paulo, ou sobre iniciativas para controlar a letalidade policial.

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